O berro que eu dei!

Jessica Rodrigues
3 min readJul 30, 2021

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Começa assim, os pretos são corpos marginalizados, o racismo não é apenas uma opressão em si, mas também um potencializador de opressões, um vetor de desumanização de corpos.

Ai a pessoa preta além de preta tem outra identidade desumanizante, então ela esta a margem da margem, na beira do abismo, então não tem nada a perder.

Ai ela se revolta e luta, e grita, ELA CRIA O BERRO e o berro é feio, é sujo, cheio de palavrão, é tosco, favelado, de gente sem cultura, sem educação, como respeitar quem berra assim? assim ela é espancada e morta por que berrou.

Mas um outro grupo de corpos, corpos que também sofrem a desumanização desse estigma, mas tem o privilegio humanizante da branquitude escutam o berro e falam, ta ai, eu gostei, isso também me atravessa.

Ai elas gritam, mas este berro já esta num raio bem mais central da sociedade, ja pode ecoar nos bairros, nas universidades, não to falando que essas pessoas não sofrem, to falando que essas pessoas se movem mais, porque tem mais acesso.

Mas ai para que este berro tenha mais respeito e seriedade, corpos como os nossos tem que ser afastados do berro né, esse berro é limpado, higienizado, botado de molho na quiboa da academia, da zona sul, dos condomínios, e vira fala, discurso, tese, dissertação, ensaio, debate educado.

E essas pessoas tem o instinto ancestral de colonizar, de usurpar, dominar o terreno, e o terreiro, e colonizam nosso berro, dizem que o berro é deles, que foram eles que inventaram, foram eles os primeiros a anunciar a dor.

E como são eles que tem as teses, os artigos, os registros, os ensaios, como foram eles que pegaram nossos berros e vieram como uma etiqueta e catalogaram e deram nome a todos eles, um por um, fica fácil de acreditar que este berro é deles mesmo né, e não nossos,

talvez, quem sabe a gente pode até ser um recorte desse berro? mas o berro inteiro, ai são eles, a centralidade, a referencia, a humanidade, são eles.

Ai que vem os outros pretos e falam, ei? pq tu ta gritando um berro que é de branco? essa luta não é nossa, é ocidental, embranquecida!

E quando a gente explica, irmão, se eu to gritando é porque ta doendo!

Ai este preto explica que ele não sente esta dor, e se ele não sente, logo essa dor não é de preto, eu só sinto a dor porque fui iludida, cooptada, embranquecida, e agora ele vai gentilmente me explicar o que dói em mim de verdade, o que dói PRIMEIRO, que coincidentemente é o que dói nele e nada mais.

Soujenour Truth, Madame Satã e Marsha p Johnson

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Jessica Rodrigues

Se tem uma palavra que me descreve é eclética, sou engenheira eletricista, amo exatas,livros, estudar sobre negritude, fazer crochê, estudar e meus gatos.